Por Debora de Lucas, e-mail: debora.lucas@cqsfv.com.br
Edouard Lemoalle é sócio do cinquentenário escritório francês Adaltys Avocats.
→ BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO Em vigor desde 17 de fevereiro, o novo Pacote Regulatório Digital Europeu foi criado para estabelecer regras para o espaço digital na União Europeia (UE). De acordo com o bloco econômico europeu, o conjunto define medidas para proteger os usuários e, ao mesmo tempo, apoiar a inovação.
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CQSFV.com.br – Como o novo Pacote Regulatório Digital Europeu atinge o Brasil?
Edouard Lemoalle – O pacote legislativo sobre os serviços digitais inclui o Regulamento Serviços Digitais (Digital Service Act, DSA); o Regulamento Mercados Digitais (Digital Market Act, DMA); o Regulamento Governança de Dados (Digital, Governance Act, DGA); o Regulamento Dados (Data Act, DA); e o Regulamento Inteligência Artificial (IA Act).
Uma das características do IA Act é a extraterritorialidade, o que significa que ele se aplica ao Brasil.
Ele estabelece que suas disposições são aplicáveis para qualquer empresa que disponibilize seus sistemas de inteligência artificial ao mercado da União Europeia ou que utilize resultados de sistemas de IA na região.
A partir disso, qualquer empresa brasileira que disponibilize sistemas de inteligência artificial ou utilize seus resultados na UE está sujeita à nova regulamentação europeia.
CQSFV.com.br – Quais são os passos que as empresas brasileiras devem seguir para se adequarem à mudança?
Edouard Lemoalle – O IA Act aplica-se a negócios envolvendo desenvolvimento e uso de aplicações de inteligência artificial, o que levará empresas e startups brasileiras a adotar níveis de conformidade indiretos, mediante a obrigações em contratos comerciais internacionais, acordos de pesquisa e desenvolvimento, compartilhamento de dados pessoais e não pessoais e transações transfronteiriças prevendo eventuais aplicações de tecnologias baseadas em inteligência artificial.
O IA Act trará repercussões práticas nas negociações de contratos internacionais entre partes brasileiras e europeias, como aconteceu e continua a ocorrer com obrigações relacionadas a práticas anticorrupção, privacidade e proteção de dados e direitos de propriedade intelectual. Ele estabelece obrigações de transparência, bem como requisitos de cibersegurança.
Por exemplo, os fornecedores ou utilizadores de sistemas de inteligência artificial, que geram ou manipulam conteúdos de mídia para criar falsificações, deverão divulgar que o conteúdo foi artificialmente gerado ou manipulado, a menos que seja legalmente autorizado ou protegido pelo direito à liberdade de expressão e à liberdade artística, desde que os direitos de terceiros sejam devidamente respeitados.
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CQSFV.com.br – Provavelmente, as big techs serão “vítimas” do novo Pacote Regulatório Digital Europeu. Diante disso, a iniciativa europeia é benéfica para outros países e regiões?
Edouard Lemoalle – Apesar do debate estar focado na Europa, o mais provável é que haja reflexos globais a partir da nova legislação europeia.
De fato, existe um consenso internacional unindo as lideranças do Brasil, China, Europa e Estados Unidos: a consciência de que as big tech têm poder excessivo sobre a vida e o bem-estar dos cidadãos.
Com a aprovação dos novos regulamentos europeus, as plataformas digitais precisam atuar com mais rapidez na resposta a conteúdos ilegais, mais transparência com os usuários em relação aos termos e condições de uso das funcionalidades ofertadas e atuar com prontidão nos processos para coibir condutas criminosas.
CQSFV.com.br – Complementando a última questão: cada país tem uma legislação. No entanto, no atual panorama, é possível que, em breve, tenhamos leis globais voltadas à tecnologia?
Edouard Lemoalle – A supranacionalidade da internet não leva necessariamente à extraterritorialidade das normas. Isto é, a possibilidade de aplicação da lei de um país a crimes cometidos fora de seu território.
No entanto, para que seja feita uma regulamentação adequada e eficaz das redes sociais, é preciso que as leis dos países tenham certas regras em comum e que tratados internacionais normatizem a matéria.
CQSFV.com.br – Proteção de dados é um assunto muito importante. Porém, nos dias de hoje, discute-se muito inteligência artificial. Para a atualidade, qual dos dois temas é mais relevante?
Edouard Lemoalle – Ambos são relevantes e, neste momento, se interligam.
O GPDR (General Data Protection Regulation; Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, em tradução livre) é a reação do bloco europeu à espionagem em massa promovida pelo governo dos Estados Unidos, que compartilhava informações com outros países, como o Reino Unido. O escândalo – revelado em 2013 pelo ex-analista da CIA Edward Snowden – ajudou a impulsionar a promulgação do GDPR.
Assim como ocorreu com a publicação do GDPR, o objetivo da União Europeia é garantir o desenvolvimento ético, seguro e confiável da inteligência artificial, definindo um padrão global para a regulamentação dessa tecnologia.
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PALESTRA “O NOVO PACOTE REGULATÓRIO DIGITAL EUROPEU E SEUS IMPACTOS NO BRASIL” – Nesta sexta-feira, 19 de abril, a partir das 9h30, o sócio do cinquentenário escritório francês Adaltys Avocats Edouard Lemoalle ministra a palestra presencial e gratuita “O novo Pacote Regulatório Digital Europeu e seus impactos no Brasil”, na sede do CQS/FV Advogados (rua Paes Leme, 524, 9º andar, Pinheiros, São Paulo, tel. 11 3660-0300).
Fábio de Sá Cesnik e Rodrigo Salinas, os sócios-fundadores do CQS/FV, conduzem o encontro. As inscrições seguem abertas tinyurl.com/bdetj2m6.
⤥ Crédito da imagem do topo: Julien Tromeur/Unsplash