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Reforma Tributária no Brasil: a pauta que não acaba

22 de julho de 2020 - 19:33

Por Daniella Galvão, sócia do CQS

A novela da reforma tributária acaba de ganhar mais um capítulo, com as emoções e os desesperos das empresas que ainda não conseguem ver o fim do túnel do caótico sistema tributário instituído no país.

O governo federal apresentou ontem (21/07), o Projeto de Lei nº 3887/2020 que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços, em substituição ao PIS e à COFINS e tem por objetivo complementar as demais propostas de reforma tributária em trâmite no Congresso.

Nos termos da entrevista dada pelos Presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a proposta configura um avanço do governo federal e do parlamento no sentido de buscar uma saída para a reforma tributária posto que é um movimento para a simplificação da tributação federal.

Simplificar a cobrança do PIS e da COFINS é algo que faz sentido, especialmente a partir do momento que tais contribuições tornaram-se extremamente complexas desde o final da década de 90, com a previsão do PIS e COFINS sobre a folha, posteriormente na sistemática não cumulativa e também do PIS e COFINS importação. Enfim, a iniciativa tem uma premissa positiva, mas está longe de efetivamente simplificar a tributação das empresas.

O material que dá publicidade à Reforma Tributária encabeçada pelo Governo Federal indica, em linhas gerais, que:

1 – O governo federal está propondo a instituição da Contribuição sobre Bens e Serviços para fins de simplificar e diminuir o custo com o cumprimento das obrigações fiscais;
2 – A proposta é complementar à PEC 45 e 110;
3 – Devem ser apresentadas propostas de redução do IRPJ e IRPF e tributação de dividendos, simplificação do IPI e desoneração da folha de salários.

Neste momento, uma breve avaliação do PL 3887/2020 aponta para a substituição do PIS e da COFINS mediante a instituição da contribuição sobre bens e serviços (CBS) sobre operações ocorridas no mercado interno e em operações de importação. (art. 1º) com o objetivo de simplificar e diminuir os custos envolvidos com os cumprimentos das obrigações fiscais.

A CBS é dividida entre contribuição incidente no mercado interno e na importação de bens e serviços.

A CBS devida no mercado interno incidirá à alíquota de 12% – regra geral – sobre a receita bruta auferida. A contribuição será não cumulativa, ou seja, a pessoa jurídica poderá utilizar crédito correspondente às CBS destacadas nos documentos fiscais relativos à aquisição de bens e serviços para abater do valor a ser efetivamente recolhido. A contribuição será apurada e recolhida mensalmente e os créditos apurados e não utilizados em um determinado período poderão ser utilizados nos períodos subsequentes.

De acordo com a lei, as plataformas digitais são responsáveis tributárias pelos tributos devidos por pessoas jurídicas que realizarem venda de bem ou serviço, por seu intermédio, nas hipóteses em que a pessoa jurídica vendedora não registre a operação mediante a emissão de documento fiscal eletrônico.

Para as empresas do segmento do entretenimento que atuam com cessão, licenciamento de direitos autorais e recebimento de royalties e que hoje fazem tais transações a partir da emissão de recibos, provavelmente haverá alteração no cumprimento de obrigações acessórias, pois o PL 3887/2020 menciona inúmeras vezes a necessidade de emissão de documento fiscal idôneo sem apontar quais seriam. Infelizmente, a práxis demonstra que muitas vezes as empresas emitem Nota Fiscal de Serviços para formalizar operações que não são prestação de serviços, como licença e cessão de direitos autorais.

Nesse ponto, salientamos que o PL 3887/2020 também é bastante infeliz ao indicar que, para fins de cobrança de CBS sobre importação de bens e serviços, o conceito de serviços compreende também a cessão e o licenciamento de direitos, inclusive intangíveis.

A qualificação da operação de importação de bens intangíveis como operação de serviços é incoerente com o que existe na legislação brasileira acerca de direitos autorais e na legislação tributária vigente, que trata tais operações como relativas a bens móveis e seus rendimentos como decorrentes de locação de tais bens. Tais operações são normalmente realizadas com emissão de recibos ao invés de documentos fiscais eletrônicos.

Assim, reitera-se, será preciso acompanhar a regulamentação da CBS a fim de verificar se serão instituídas obrigações acessórias e emissão de recibos eletrônicos, especialmente para que sejam assegurados créditos nessas operações de aquisição de direitos.

Em termos práticos, considerando as obrigações tributárias relativas ao PIS e à COFINS e a nova proposta da CBS, salientamos que haverá um aumento real de alíquota tendo em vista que as empresas que apuram pelo lucro real arcam com o PIS e a COFINS à alíquota de 9,25% sobre a receita bruta e utilizam créditos, na mesma proporção, sobre entradas de bens e serviços oneradas pelo PIS e para COFINS. Logo, com a nova CBS há um aumento de alíquota nominal em 2,75%.

Por seu turno, as empresas que apuram o PIS e a COFINS pelo lucro presumido, ou seja, à alíquota de 3,65% sem direito à créditos, passam a operar com essa nova sistemática. Dentre as empresas prestadoras de serviços, as empresas cujas operações não são suportadas por despesas relevantes ou cujo maior custo é a própria folha, sofrerão maior impacto, diante da falta de créditos para abatimento da CBS.

Cabe salientar que a medida também vem como suposta resposta à demanda do mercado sobre a tributação das plataformas digitais. Neste ponto, a proposta é infeliz e ineficaz. Infeliz porque efetivamente não resolve, nem pacifica as questões tributárias. Ineficaz porque foram apresentadas normas com o objetivo de alcançar plataformas e empresas estrangeiras com sede no exterior, sem que exista legitimidade nem competência tributária para tanto.

Vale a pena a transcrição da regra:

Art. 72. São responsáveis pelo recolhimento da CBS incidente sobre a importação de serviços realizada por pessoa natural:

I – os fornecedores residentes ou domiciliados no exterior;

II – as plataformas digitais a que se refere o art. 6º domiciliadas no exterior, em relação às operações realizadas por seu intermédio.

Lei brasileira não tem competência para instituir norma tributária sobre não residentes no país, assim a regra prevista no art. 72 é inaplicável, pois não há como exigir o recolhimento da CBS sobre os fornecedores de serviços residentes ou domiciliados no exterior. Digamos que o Google com sede nos EUA seja uma dessas plataformas, como o governo federal irá cobrar o cumprimento da norma tributária de “responsabilidade no recolhimento” da empresa americana? Juridicamente não é possível.

As plataformas digitais com sede no Brasil que fornecem diretamente conteúdos a consumidores finais e que não operem como intermediárias, apenas serão oneradas como contribuintes da CBS. E as plataformas digitais brasileiras que atuam como intermediárias, eleitas como responsáveis tributárias, deverão adequar seus modelos de negócios, assim como reestruturar termos e políticas de uso, para suportar esta nova obrigação fiscal nos casos em que a pessoa jurídica vendedora, usuária da plataforma, não registre a operação mediante a emissão de documento fiscal eletrônico.

Cabe esclarecer que além das regras gerais acima mencionadas a proposta traz normas específicas voltadas ao segmento financeiro, de óleo, gás, álcool, querosene, produtos in natura, bem como regras de isenção, incidência monofásica, aplicáveis a contribuintes específicos, que deixamos de analisar neste momento. De qualquer maneira, o caminho para uma real simplificação da tributação no Brasil infelizmente parece distante.

Mais do que simplificar a sistemática de cobrança das contribuições sociais, é preciso que o Governo obtenha uma visão mais global das transações comerciais realizadas com bens e serviços, capaz de demonstrar o quanto o nosso sistema de oneração tributária das atividades operacionais e da receita bruta dificulta o crescimento de inúmeros mercados.

Infelizmente, o Brasil segue sendo um país que onera a operação independentemente do resultado. E, de acordo com o “Plano mais Brasil”, ao que parece, há um risco efetivo de além de arcar com os tributos federais na operação (contribuições sobre a receita bruta), também ser instituída a cobrança de impostos sobre os dividendos. Ou seja, tributação antes e depois do resultado. Tema este que vale uma análise específica.

Enfim, diante da medida apresentada, cabe aos contribuintes, especialmente empresas prestadoras de serviços optantes do lucro presumido, empresas cujo maior custo é a própria folha de pagamentos, empresas que operam com baixo custo e alta rentabilidade, como as empresas de tecnologia, acompanharem a tramitação do projeto e postularem os ajustes necessários, pois, ao que parece, serão as mais afetadas.

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