Por Rodrigo Salinas, sócio do CQS
A pandemia trouxe à baila, de diversas formas, discussões sobre a possibilidade de revisão, cancelamento ou suspensão de contratos em razão de caso fortuito ou força maior. Setores econômicos têm se deparado com a inevitável paralisação das suas atividades, gerando reflexos diretos na operação daquelas pessoas que atuam na mesma cadeia produtiva.
Por exemplo, a SP CINE, dando cumprimento ao Decreto 59.283, de 2020, do Prefeito de São Paulo, cancelou as autorizações emitidas para filmagens em vias e locais públicos na cidade. Neste cenário, o que ocorre com todos os contratos que uma produtora celebrou com terceiros para a realização dessas filmagens? Como se resolve a situação jurídica desta produtora em relação ao agente financiador da produção, pois se a filmagem não pode acontecer, a produtora também não pode entregar a obra cuja produção se comprometera? E se a produtora financiou parte de suas despesas para a filmagem com um empréstimo bancário, deve devolver o dinheiro?
A primeira abordagem jurídica deste problema será a interpretação da pandemia como um evento de caso fortuito ou força maior. Porém, os seus reflexos nos contratos nem sempre serão os mesmos. Eles variam em razão de cada contrato específico, da sua natureza jurídica (empréstimo, locação, prestação de serviços etc.) e da existência ou não de cláusulas prevendo o que deve ocorrer nessa situação. Em outras palavras, pelo simples fato da pandemia ser um evento fortuito e de força maior, isso não acarreta a extinção automática de todos os contratos e obrigações.
Sobre o que estamos falando?
Caso fortuito ou força maior são eventos supervenientes, inevitáveis e imprevisíveis, que impossibilitam uma parte de cumprir a sua obrigação. Esses eventos são considerados riscos. A discussão sobre caso fortuito ou força maior envolve, portanto, definir em cada situação quem deve suportar os riscos. O locador ou o locatário? O banco ou o mutuário? O contratante ou o prestador de serviços? Caso as partes tenham endereçado essa problemática no contrato, elas alocaram o risco de uma determinada maneira. Caso não o tenham feito, o juiz terá de alocar o risco diante do caso concreto.
Esses riscos resultam na impossibilidade de alguém cumprir a sua obrigação (é por isso que se fala em risco, e não em dano ou responsabilidade, visto que a pessoa não cumpre porque não pode e não porque não quer). Consequentemente, essa pessoa perde o direito de exigir da contraparte que também cumpra a sua obrigação. Se isso ocorrer, em geral, o contrato estará extinto, pois ele terá perdido a sua causa. A impossibilidade precisa ser total e não parcial, ou seja, se algumas obrigações puderem ser cumpridas e outras não, o contrato não se extingue e o devedor deve cumprir a sua parte.
Além disso, a impossibilidade precisa ser definitiva e não temporária. Ora, uma epidemia é um evento fortuito temporário e não definitivo, pois a epidemia em alguns meses estará terminada. Eventualmente, as obrigações poderão ser adiadas, desde que prazo não seja elemento essencial do contrato. Assim, não é certo concluir que todos os contratos estarão extintos pelo evento de uma epidemia.
Estamos à disposição dos nossos clientes para auxiliá-los a determinar as consequências para os seus contratos nesse contexto de pandemia, lembrando que a sua extinção nunca será automática e, talvez, nem sempre a melhor solução.