Por Fábio de Sá Cesnik
Durante esses últimos dias isolado das pessoas, pensei e discuti com vários agentes da indústria do entretenimento qual a dimensão do impacto para o este mercado a partir da pandemia global de coronavírus. Ouvi vários pontos de vista, a começar por alguns dizendo que estamos no fim do mundo. No outro extremo, pessoas falam que em um par de meses tudo estará normal e ainda acelerado, com uma grande fome das pessoas por conteúdo e pela socialização. Minha opinião: nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Antes de qualquer coisa, vamos aos dados: tivemos um aumento gigantesco do consumo de entretenimento em casa (plataformas de streaming, jogos, livros, música etc), tanto que as autoridades europeias de internet tiveram que negociar com a Netflix para que a entrega fosse feita somente em menor qualidade (e não em alta definição), sob pena de instabilidade da rede. No audiovisual, várias gravações foram adiadas ou suspensas (ficamos sem nova produção momentânea), mas o consumo de conteúdo aumentou.
Do outro lado, assistimos a uma paralisia no consumo de entretenimento ao vivo ou experiências fora de casa (shows, teatros, cinema, arcades de realidade virtual, etc.). Aqui o problema é mais grave: os promotores de shows, eventos e congressos esperaram os cancelamentos dos eventos serem determinados pelas autoridades públicas para acionar suas seguradoras e poderem ser indenizados pelo prejuízo.
Neste momento, as seguradoras estão administrando as perdas dos cancelamentos e adiamentos de eventos e tomaram uma postura (pelo menos no mercado dos EUA): não estão securitizando eventos para o restante de 2020 (ou pelo menos excetuando o coronavírus em suas apólices). Isso tem uma repercussão grave, pois sem seguro não se tem alvará de um evento e, portanto, sem seguro não se faz evento nos EUA. Deste modo, não parece possível a retomada rápida da atividade nesse campo.
E quanto tempo isso vai durar? Essa é a pergunta feita por todos. Muito bem. Contida a pandemia e podendo as pessoas voltarem a trabalhar, restaurantes e bares a abrir, etc. – o que aqui na Califórnia só deve acontecer ao final de abril ou maio, não antes disso -, as pessoas começarão a voltar à vida normal, mas duvido que voltem imediatamente a se expor a programas ao vivo, pelo menos enquanto a doença não tiver cura.
O consumo normal de entretenimento fora de casa só deverá acontecer normalmente quando tivermos vacina ou remédio para a doença. Até lá, o número de pessoas que se dispõem a participar dessas experiências vai ser naturalmente menor. No caso do audiovisual, a produção pode voltar ao normal tão logo esteja disponibilizado a todos o teste da doença, pois é um ambiente mais simples de se controlar do que uma multidão ao vivo, mesmo sempre havendo risco iminente de alguém trazer o vírus de casa. O mesmo vale para a vida “normal” de trabalho nos escritórios.
No Brasil, ainda não se adotou a posição de “lock down” ou isolamento social completo, que foi incorporado na maior parte do mundo, o que significa que a doença ainda deve se alastrar bastante. Olhando para o crescimento da doença na Itália, se as pessoas não se conscientizarem e o Poder Público não alertar com ênfase o problema, muita gente, de jovens a idosos, deve morrer. Não existe leito de hospital para tanta gente que vai ficar doente, ainda mais com o inverno chegando.
Dito isso, no panorama global, acredito que no Brasil teremos um atraso ainda maior para a retomada da atividade normal do entretenimento. Não posso afirmar que teremos as mesmas questões de securitização do mercado americano. Talvez não, simplesmente porque nem todos os eventos têm seguro e, talvez, as pessoas sejam menos medrosas para retomarem a atividade de socialização (enquanto povo, somos mais sociáveis).
Caminhos possíveis
Mas se pudesse apostar em um caminho para a indústria do ao vivo, apostaria inicialmente na monetização do streaming de conteúdos ao vivo (A Ópera Metropolitan, de Nova Iorque, passou a oferecer seu conteúdo pela internet, por exemplo) e em outros potenciais subprodutos. Outra ideia é tentar monetizar em aplicativos do tipo masterclass, onde atores de teatro, músicos e demais artistas podem dar aulas para formar gerações (e serem pagos pelas aulas dadas).
Por fim, os Poderes Públicos deveriam instituir fundos para financiarem a pesquisa nessa área. Criadores trancados em casa podem ser muito produtivos para desenvolver e escrever novos espetáculos, textos, composições, etc.
Aposto que se eles tiverem maneira de se manter nessa onda recessiva, podemos ter um fluxo criativo em tempos de vírus. Lembram da produção de arte contra a repressão militar? Quanta coisa boa tivemos nesta época, mesmo dentro de um dos mais tristes momentos da história do país. Torço para que venha uma linda safra de criação pra ajudar nossas almas contra as dores causadas pelo coronavírus. Digo isso pensando no ano de 2020.
Quero acreditar que até 2021 a ciência nos trará a cura ou a vacina do problema e a nossa vida poderá voltar ao normal. Mas será um novo normal, onde tudo será ressignificado.
E espero que a recessão jogue o mínimo de pessoas possível na linha da pobreza, pois a massa de falidos já é inevitável. E espero que esse novo normal que vai se criar tenha pelo menos mais afeto, menos raiva e mais cooperação entre as pessoas.