Para quem trabalha com a indústria de jogos eletrônicos a grande diversão está em pensar o futuro, investir em inovação e novas experiências. São empresas e empreendedores visionários, criativos, disruptivos e que vêm apresentando soluções diversas para entretenimento ou mesmo engajamento em contextos corporativos e sociais. Sobretudo, são empreendedores que pensam de maneira global, querem se posicionar e se comunicar globalmente.
Feita a introdução lúdica, passemos à dura realidade: quando tratamos das operações realizadas pela indústria de games, pelo aspecto da tributação no Brasil, o tema é um dos mais indigestos. É melhor respirar fundo para enfrentar os assuntos, porque ainda estamos numa agenda que vem do século passado: a reforma tributária.
Nosso sistema tributário é complexo e extremamente custoso, especialmente para quem está criando uma nova empresa ou novo negócio. O Brasil tributa a operação ao invés do lucro efetivamente obtido! Sobre a receita auferida com o licenciamento ou pelo desenvolvimento de jogos eletrônicos incidem tributos federais (em regra geral: IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) e municipal (ISS). Se sobrar algum lucro, o lucro é distribuído sem tributação. E, infelizmente, muitas empresas pagam tributos sem sequer auferir lucro.
No caso da indústria de desenvolvimento de jogos eletrônicos há que se considerar que existe um investimento imenso para o desenvolvimento de um jogo, que pode ou não ser lucrativo a partir do momento que começar a ser comercializado ou disponibilizado em plataformas, mediante licenciamento.
Neste sentido, é de se esperar que enquanto há o desenvolvimento do jogo não exista receita, apenas custos e despesas. Nesta linha de raciocínio, pelo aspecto tributário, seria lógico que a empresa optasse pelo regime do LUCRO REAL. Porém, tal regime implica em gastos substanciais com uma boa contabilidade e, também demanda o cumprimento de diversas obrigações tributárias acessórias (p. ex. declarações e procedimentos rigorosos de controle de despesas).
Diante da complexidade da adoção do regime do Lucro Real, muitas empresas optam pelo Simples Nacional com a ilusão de que isso pode “simplificar” a tributação, mas o sistema infelizmente é perverso. Explico: todo o investimento feito para o desenvolvimento do jogo não gera despesa dedutível para fins de apuração dos tributos, nem créditos fiscais, logo, quando a empresa começa a apurar receita, ainda que pequena, essa receita será tributada, independentemente da empresa ter obtido lucro na operação.
Infelizmente esse problema afeta a maioria dos novos e pequenos negócios e é responsável por causar a “morte” precoce de muitas empresas que não conseguem manter a operação e ainda pagar tributo, sem sequer ter lucro.
A indústria de jogos eletrônicos é um segmento forte, cujos números demonstram a capacidade de geração de receita e de empregos. De acordo com a pesquisa realizada pela Newzoo¹ , divulgada durante o BIG Festival (Brazil’s Independent Games Festival) 2021, o mercado de jogos no Brasil terá uma receita de US$ 2,3 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões), que significa um aumento de 5,1% na receita anual.
É por isso que o Canadá, assim como o Reino Unido, e vários outros países criaram políticas claras de atração e suporte para este tipo de empresa, incluindo leis que conferem isenção tributária durante os primeiros anos das empresas ou programas de incentivos² . Essas políticas externas têm atraído de fato muitos desenvolvedores de jogos e empreendedores brasileiros que partem para uma internacionalização da operação.
No Brasil a indústria de jogos eletrônicos precisa se organizar para também apresentar suas pautas e exigir apoio governamental para iniciativas inovadoras no momento em que a reforma tributária vem sendo amplamente discutida.
Para além da unificação de tributos, visando a simplificação do sistema, a tributação deve ser eficiente para o Fisco e para o contribuinte, ou seja, observando a efetiva capacidade contributiva, a geração de riqueza e impondo obrigações factíveis de serem cumpridas.
Uma tributação que arrecada receita para o governo independentemente da geração de resultado, ou que impõe muitas horas de trabalho para cumprimento de obrigações fiscais, inviabiliza o início de novas e inovadoras empresas.
A tributação no Brasil tem resultado no fracasso de pequenos empreendedores e na estagnação de boa parte dos setores econômicos, especialmente os vinculados à economia criativa. Enquanto o Governo não tiver uma proposta alinhada com o crescimento da economia no Brasil, nossos talentos continuarão visando o mercado externo e buscando a estrutura apropriada para o alcance do crescimento e posicionamento global em outros países.
Daniella Galvão Imeri é sócia do CQS/FV Advogados
Referências:
¹Brazilian games market to hit $2.3bn in 2021 – Newzoo
²Programa de incentivo fiscal do Reino Unido e Programa de Crédito Fiscal do Estado de British Columbia (Canadá)