A proteção jurídica dos games pelos mecanismos de que dispomos atualmente é uma espécie de cobertor curto que sempre deixa expostas algumas porções do corpo.
A proteção do game como software tem, ao menos, três dificuldades. Em primeiro lugar, protege o código em si mesmo pela via assemelhada ao direito autoral, mas não previne a construção de um game idêntico a partir de um código distinto. Outro problema é que a prática de desenvolvimento atual se serve amplamente de módulos prontos de fontes abertas, borrando os limites entre o que é criado efetivamente pelo desenvolvedor e o que é uma simples adaptação do código pronto ao game novo. Por fim, a utilização dos middlewares termina gerando código que não foi criado por nenhum desenvolvedor humano, e que tende a ser significativamente semelhante em games diferentes sempre que o middleware utilizado for o mesmo. O código final é uma colcha de retalhos protegidos e não protegidos, o que enfraquece a proteção e aumenta a dificuldade de demonstrar a originalidade do desenvolvedor.
A proteção do game como obra audiovisual confere ao criador uma proteção bastante significativa, também pela via do direito autoral, mas a realidade mercadológica dos games é tão distinta do mercado de filmes e séries que algumas situações importantes no ambiente dos games ficam desamparadas, como, por exemplo, a questão da criação compartilhada entre produtora e jogador.
O jogo criado especificamente por um jogador de RPG, que desenhou seu próprio personagem, escolheu seu nome e características a partir de mais de um bilhão de combinações possíveis, e jogou como nenhum outro jogador decidiu jogar, produz algum material que o jogador possa chamar de seu?
A prática mostra que sim, já que não são poucos os casos de carreiras bilionárias construídas a partir da postagem de gravações de jogos no YouTube e no Twitch, que contam inclusive com a aposição da própria voz do jogador por sobre o áudio do game e que são assistidas por centenas de milhões de jogadores mundo afora. Mas se alguém resolve montar um canal de veiculação das gravações alheias, que direito protege o jogador?
São muitas as questões descobertas. Como impedir os cheats? Como regulamentar a venda não autorizada de itens de valor dos jogos? Como tratar a comunicação ao público dos jogos? Como regulamentar a titularidade originária dos direitos sobre o game pela pessoa jurídica que o produz?
Esses tópicos estarão na pauta do dia a da indústria de games e não há, ainda, resposta certa para nenhum deles, porque o momento de desenvolvimento das regras de que dispomos hoje antecedeu em muito a pujança que tem atualmente o mercado de games. É papel da indústria fomentar essas discussões, via legislativo ou via judiciário, para não permanecermos por muito mais tempo nessa situação de déficit regulatório.
Ygor Valerio é sócio do CQS/FV Advogados.