O afinco no cumprimento de promessas de campanha pode acabar com projetos importantes na Cultura Muito se tem especulado sobre a nova Instrução Normativa da Lei Rouanet que, anunciada para publicação nesta semana, tem se mostrado uma incógnita para o mercado, uma vez que foi redigida e será publicada sem participação da sociedade e do setor cultural. Até agora, tudo que se tem notícia são as declarações dadas à imprensa, com destaque para a intenção genérica de reduzir o teto do valor de captação de recursos por projeto para atacar pontualmente os espetáculos de teatro musical. A iniciativa torna perceptível a ausência de conhecimento sobre os dados do mecanismo e a necessidade dos recursos para os diferentes projetos que necessitam da lei para serem realizados. A partir dos dados disponibilizados pelo próprio Ministério da Cidadania, é possível identificar que, do total captado no ano de 2018, apenas 0,05% se refere à realização de espetáculos de teatro musical.
(Clique para ampliar) Fonte: http://sistemas.cultura.gov.br/comparar/salicnet/salicnet.php#
Ao acessar os números referentes ao exercício de 2018, verifica-se que, dos 20 proponentes que mais captaram recursos no exercício, apenas quatro deles realizaram produções de teatro musical.
Fonte: http://sistemas.cultura.gov.br/comparar/salicnet/salicnet.php#
Destes quatro, o maior deles captou no exercício, para os seus cinco projetos ativos, pouco mais de R$ 16,5 milhões (uma média de R$ 3,3 milhões por projeto).
Fonte: http://sistemas.cultura.gov.br/comparar/salicnet/salicnet.php#
A análise feita com base no exercício fiscal é primordial, já que a capacidade dos incentivadores em contribuir para os projetos por meio da renúncia fiscal de seus impostos de renda, se renova a cada exercício. Considerando as declarações de que projetos como “programas anuais de museus, orquestras, festivais e bienais” não seriam alcançados pelo teto que se quer determinar, outra análise que merece destaque é a de que uma vasta gama de projetos que necessitam de valores superiores ao teto – normalmente devido ao caráter de gratuidade-, não se enquadram nos espetáculos de teatro musical e nem nas exceções que provavelmente serão previstas na nova normativa, sofrendo, portanto, com a redução anunciada.
Como exemplo, pode-se citar o projeto que viabilizou o Réveillon de Copacabana, aprovado em R$ 20.138.866,75; o projeto São João Musical de Caruaru, que viabiliza toda a parte musical do maior São João do mundo, aprovado em R$ 4.539.188,00; ou mesmo o projeto SP-Arte/2019 que, aprovado no valor de R$ 2.631.733,13, viabiliza a realização de um dos maiores eventos de arte do país.
Merecem destaque, também, projetos voltados para o público infanto-juvenil e/ou de comunidades em situação de vulnerabilidade. Dentre eles, o projeto Passaporte para o Conhecimento na Amazônia (aprovado em R$ 4.197.950,00), que realiza oficinas de artes itinerantes para pessoas em idade escolar em municípios da região metropolitana de Manaus; ou o projeto Cine ao Ar Livre – Viajando pelo Brasil (aprovado no valor de R$ 9.772.500,00), o qual objetiva exibir filmes gratuitamente em 16 estados do país, beneficiando cerca de 900 mil pessoas.
São inúmeros os exemplos que demonstram que ao se atacar uma ínfima e específica parcela de projetos, prejudica-se uma extensa gama de outros que, seja por duração, quantidade de atendidos ou por gratuidade, necessitam de valores elevados para bem cumprirem a função social da Lei Rouanet: levar cultura para a população.
Reduzir o teto de captação para os projetos sem analisar as peculiaridades do setor, apenas para investir contra uma pequena parcela deles que, destaca-se, muito contribuem para a economia, pode resultar na inviabilização do mecanismo para inúmeras iniciativas, prejudicando a população que não acessaria os produtos culturais oriundos destes projetos por outros meios. Ou seja, prejudicaria quem mais delas precisa.
Flavia Ferraciolli Manso
CQS Advogados