UOL OPINIÃO
07/08/2015. Rodrigo Salinas
A entrada dos serviços de streaming de música e vídeo no Brasil tem suscitado questões sobre os direitos autorais devidos aos compositores, intérpretes e músicos, pelo uso das músicas inseridas nesses conteúdos. Algumas decisões de Tribunais de Justiça estaduais têm entendido que ouvir música na internet ou visualizar vídeos com músicas não caracteriza o direito de execução pública musical, previsto nos arts. 29 e 68 da Lei 9610/98.
O direito de execução pública musical foi criado, inicialmente, para permitir que os compositores fossem remunerados todas as vezes que as suas músicas fossem cantadas em teatros, bares, casas de shows e quaisquer locais de música ao vivo.
Na Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias, Artísticas e Científicas, adotada em 1886, o direito de execução pública foi previsto exatamente desta forma – isto é, como uma prerrogativa dos autores autorizarem o uso das suas obras em locais de frequência coletiva.
Em 1948, todavia, o texto da Convenção de Berna foi revisto para prever que o autor poderia, também, autorizar a transmissão das suas obras, ou de gravações das suas obras, por meios de radiodifusão – o rádio e a televisão.
Tecnologias que ampliaram o alcance da transmissão de televisão, como o cabo e o satélite, e permitiram a criação de outros negócios para a decodificação do sinal e a sua transmissão aos equipamentos de consumidores situados muito além do território de transmissão da programação original desafiaram o direito de execução pública ao longo da segunda metade do século 20.
Contudo, prevaleceu o entendimento de que a transmissão por satélite e por cabo também enseja o pagamento de direitos autorais. Esse entendimento foi recepcionado pelos tribunais brasileiros. O direito de execução pública, portanto, adaptou-se e sobreviveu ao advento dos meios de comunicação de massas e às suas transformações tecnológicas.
Porém, o entendimento de alguns de nossos Tribunais de Justiça de que a internet não é um local de frequência coletiva e de que a transmissão pela internet é individual porque é recebida por um único computador representa uma interpretação do direito de execução pública compatível com aquela vigente em fins do Século 19. Ou seja, a de que esse direito tem por escopo somente as apresentações de música ao vivo, além de ignorar um fato, qual seja, o de que a internet é eminentemente um ambiente público.
Essa interpretação antiquada desconsidera a feição contemporânea do direito de execução pública – após a revisão de 1948 da Convenção de Berna e o advento das tecnologias de transmissão por satélite e cabo – como sendo a prerrogativa do autor autorizar, além da apresentação ao vivo das suas obras, a transmissão destas, por quaisquer meios, e independentemente da tecnologia empregada.
Com efeito, esse entendimento não leva em consideração o contexto histórico da proteção ao direito de execução pública no plano internacional e, se aplicado aos dias atuais, resultará em desamparo dos autores e artistas (intérpretes e músicos acompanhantes) diante da revolução mais transformadora já vista na indústria cultural, que é, justamente, a transmissão de músicas e vídeos pela internet.
Fonte: http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/08/07/interpretacao-antiquada-de-lei-ignora-direitos-autorais-sobre-streaming.htm